Advocacia com propósito: Como o Direito deve promover a Transformação Social

por | 04/09/2023

Falar sobre “Advocacia com Propósito” é falar sobre a importância dos(as) advogados(as) que vão além das questões legais e buscam contribuir para o bem maior da sociedade, atuando de forma sistêmica, construindo legados e transformação social.

Em todas as nações livres, os advogados se constituem na categoria de cidadãos que mais poder e autoridade exercem perante a sua sociedade”

— Ruy Barbosa

É inegável que a advocacia é uma das profissões mais antigas na história da humanidade, e também por isso ela tem até hoje, fundamental importância para a transformação e legado social.

Mas precisamos pensar que para além das leis, esse ofício deve ir em busca do que chamamos de Bem Comum, uma vez que a advocacia é uma profissão que desempenha um papel fundamental na manutenção da ordem e da justiça social.

Sabemos que originalmente, advogados(as) são treinados(as) e capacitados(as) para compreender e aplicar as leis de forma a proteger os direitos e interesses de seus clientes. No entanto, nos últimos anos (especialmente na formação de nova advocacia) houve uma mudança de paradigma significativa na prática da advocacia. Mais do que nunca, estes advogados(as) estão se voltando para o exercício da “advocacia com propósito”, uma abordagem que vai além das questões legais, que engloba o direito sistêmico, a luta pelo primado da Justiça, em sintonia e harmonia com os fins sociais, o que acaba por contribuir para a construção e transformação social, focado nas relações e no bem comum.

Em outras palavras:

É possível perceber que existe um movimento jurídico onde advogados(as) estão indo além das tradicionais salas de audiência e escritórios de advocacia para fazer a diferença na vida das pessoas e na sociedade como um todo.

1 – Mas o que seria exercer uma Advocacia com Propósito?

A advocacia com propósito é uma abordagem que se concentra não apenas em ganhar casos, enriquecer-se monetariamente ou fornecer consultoria jurídica de alto custo. Esta abordagem jurídica também tem como a prática do direito de modo a impactar positivamente as relações comunitárias, dirimindo conflitos e apresentando propostas de valores sociais.

Entendendo como seu trabalho pode atribuir ajuda e valor a vida das pessoas, os(as) advogados(as) envolvidos(as) com essa prática, buscam oportunidades para aplicar suas habilidades jurídicas (e até não jurídicas) em prol de causas que geram compromissos sociais ou até ambientais (não necessariamente apenas no exercício do pro-bono jurídico*). Estes profissionais buscam propósito no labor, possuem visão mais ampla para o exercício da sua advocacia e estão comprometidos com a responsabilidade social, aplicando seus conhecimento jurídico para abordar questões sociais, como acesso à justiça, direitos humanos, mediação, igualdade racial, justiça ambiental, resoluções de conflitos familiares e muito mais.

“Precisamos entender que a justiça não é apenas um ideal a ser exercida nos tribunais, mas também em todas as áreas da sociedade. Advogados que compreendem a amplitude de sua profissão e se tornam multifacetados e criativos são agentes de mudança, intervindo em questões que vão desde direitos civis e direitos humanos até questões de acessibilidade, saúde e educação. Eles sabem que a justiça não pode ser alcançada se limitada apenas ao sistema legal; ela deve se estender a todos os aspectos da vida.”

Sendo assim, a advocacia com propósito deve estar alinhada com os valores de justiça, igualdade e inclusão. Advogados(as) que acreditam que suas habilidades e conhecimentos jurídicos podem ser usados ​​não apenas para resolver casos, e que estão dedicadas(os) a encontrar maneiras de usar a lei para enfrentar desafios sociais, promover a justiça e colaborar para a transformação social, entendem que a advocacia é mais do que apenas aplicar a lei; é sobre como a lei pode ser uma ferramenta poderosa para promover o bem comum e como isso pode causar um grande impacto na sociedade em que vivemos.

2 – Transformando o Direito em Impacto Social

É inegável que o Direito contribui para fortalecer o entendimento dos valores morais da sociedade, por que é por meio dele, que esses valores morais são detalhados e positivados. O direito tem influência educativa, moldando as opiniões e as condutas individuais. O direito reconhece, direciona e consolida as mudanças da sociedade. Seguindo esse entendimento, a advocacia (quando exercida com propósito), é muito mais do que apenas a aplicação das leis; é uma profissão que desempenha um papel vital na construção de uma sociedade justa e equitativa. Nos últimos anos, testemunhamos uma mudança significativa na prática jurídica, à medida que os(as) advogados(as) buscam ir além das convenções tradicionais e abraçam uma abordagem inspiradora que visa transformar o direito em um instrumento poderoso para gerar um impacto social positivo e duradouro focado nas relações.

O Direito se reveste de propósito quando envolve uma crença fundamental de que o Estado e os seus operadores da lei (incluindo os advogados) possuem a real capacidade e responsabilidade de fazer mais do que apenas cumprir as suas obrigações profissionais legais. Estes têm o potencial de se tornarem agentes de mudança, defensores de causas sociais e ambientais, proclamadores de conhecimentos e ensinamentos e construtores de um mundo mais justo. Essa abordagem coloca a ética, o compromisso e a responsabilidade social no cerne da prática jurídica.

Em vez de se concentrarem exclusivamente nos interesses de seus clientes de grandes montas, as(os) advogadas(os) com propósito buscam maneiras de usar suas habilidades legais também para promover o bem comum, resolver questões sociais prementes, combater a injustiça e trazer soluções para conflitos sociais e até familiares. E engana-se quem acha que estes não podem e nem merecem ser remunerados pelo exercício de tal prática.

“O direito e seus operadores podem e devem ser protagonistas de uma verdadeira revolução, capaz de vencer o determinismo econômico e de produzir um impacto estrutural na sociedade brasileira.

— Salomão Filho, 2003

Sendo assim, o Direito não pode se formar alheio aos fatos, necessidades e impactos sociais, justamente por ser um fenômeno decorrente do próprio convívio do homem em sociedade. Chegamos a essa conclusão por uma razão bem simples: o homem é um ser social, e não pode viver isolado. E sendo assim, diferentes e sociais, vivem em conflitos, necessariamente ao lado uns dos outros, fomentando relações e coletividade.

Além disso, a sociedade por si só, necessita de uma organização que oriente a vida coletiva, que discipline a atividade dos indivíduos que vivem nela e que tragam ordem ao caos sempre que ele existir. E é exatamente baseada nessa necessária organização que a advocacia com propósito atua para ordenar e pressupor regras de comportamento social, que permitem uma boa convivência comunitária, trabalhando para diminuir barreiras, desigualdades e conflitos nas relações.

Ora, se ações que geram impacto social são aquelas que melhoram as condições de vida das famílias mais vulneráveis, que visam disseminar conhecimento para geração de oportunidades e ampliam as oportunidades para o acesso à cultura promovendo acesso e a melhoria da educação social, pode-se dizer que o direito está intimamente ligado e responsável a prática da promoção social.

3 – Compromisso, Função Social e Acesso à Justiça como pilares de uma advocacia com propósito.

Um dos pilares da advocacia com propósito é o compromisso social. Isso significa que os(as) advogados(as) não estão apenas preocupados apenas com o sucesso de seus casos, mas também com o impacto mais amplo que sua atuação pode ter na sociedade. Eles acreditam na propositura de soluções jurídicas aplicadas às necessidades das relações. Além disso, a advocacia com propósito se preocupa profundamente com o acesso à justiça e com a função social do direito. Os(as) advogados(as) envolvidos nessa abordagem estão empenhados em garantir que todos, independentemente de sua situação financeira ou social, tenham acesso a recursos legais de que precisam para proteger seus direitos e interesses.

De olho no compromisso social e na necessária atuação da(o) advogada(o) para transformação social é que o Direito tem a sua origem nos fatos sociais, nos acontecimentos da vida do indivíduo em sociedade. Todas as nossas práticas e condutas acabam refletindo nos costumes, valores, tradições, sentimentos e cultura. Essa elaboração das soluções propostas por aquelas(es) que fazem o Direito acontecer em meio prático e transformador, ocorre de maneira coerente e espontânea à vida social e em comunidade. E cada solução proposta ou desenhada precisa ser pensada e proposta de acordo com o caso concreto visto a demanda. Esta é a função social que o direito exerce.

Com muita propriedade, Francisco José Carvalho faz uma interessante análise da função social do Direito:

“A função social do direito é o fim comum que a norma jurídica deve atender dentro de um ambiente que viabilize a paz social. O direito sempre teve uma função social. A norma jurídica é criada para reger relações jurídicas, e nisso, a disciplina da norma deve alcançar o fim para o qual foi criada. Se ela não atinge o seu desiderato não há como disciplinar as relações jurídicas, e, portanto, não cumpre sua função, seu objeto.(…)”

Por fim e não menos importante, é importante destacar que dentre os aspectos mais importantes do Direito no sistema democrático, está o acesso à justiça, que é um direito humano fundamental. Ao se falar em acesso à justiça, somos levados a pensar, primeiramente, em acesso aos órgãos judiciários, mas a ideia deve nos levar além, em acesso a uma ordem de valores e direitos fundamentais ao homem.

O acesso à justiça é direito essencial ao completo exercício da cidadania e a advocacia com propósito se baseia exatamente no seu exercício de valor, baseado nessa premissa fundamental. Advogadas(os) com propósito entendem que, mais do que o acesso ao judiciário, o acesso à justiça alcança também o acesso ao aconselhamento jurídico, a propositura de soluções em busca da justiça social.

Mas para que o direito realize a justiça e traga ordem social, é absolutamente necessário o conhecimento dos direitos por parte dos cidadãos e a existência de meios necessários para que tais direitos sejam exercidos e reconhecidos.E quem deve ser responsável por entregar este tipo de conhecimento a sociedade é o Estado e os operadores da lei, pois são responsáveis pela facilitação do acesso ao ordenamento jurídico sem discriminação de qualquer tipo por meio da prática juridica.

Conclusão

 

O direito e o exercício da prática jurídica realizada pelos(as) advogados(as) representa um poderoso fator de orientação e transformação social, pois tem vínculo direto com o campo das relações, trazendo ideal de justiça, segurança jurídica, de igualdade e liberdade para os indivíduos.

A possibilidade da resolução de conflitos sociais está diretamente ligada às normas uma vez que estas têm o poder de influenciar, condicionar e persuadir os membros de um grupo social. Esta função permite conduzir uma multidão de pessoas que se relacionam entre si e entre suas estruturas, trazendo decisões, ordenamentos e modelos capazes de sugerir soluções ao dilema de comportamentos sociais.

Isso significa que o Direito, naturalmente, responde à mudança social. Os processos legais refletem os problemas sociais e as insatisfações coletivas. A advocacia com propósito deve acompanhar as mudanças sociais, refletindo as percepções, atitudes, valores, problemas, experiências, tensões e conflitos da sociedade, independente da condição social.

Entendendo que a sociedade necessita de ordem, tranquilidade, equilíbrio, conhecimento e integração em suas relações, a advocacia assumem a função social de prevenir conflitos para além apenas do exercício legal da sua profissão; seus operadores atuam como agentes de transformação social, buscando contribuir para o bem maior, interessados em gerar uma sociedade mais pacífica, esclarecida de seus direitos e deveres e consequentemente, com maior acesso à justiça, o que contribui para a diminuição dos diversos conflitos sociais. O trabalho destes profissionais está diretamente relacionado com a possibilidade do indivíduo poder planejar condutas sociais, uma vez que tais atores sociais podem conhecer e prever os efeitos de seu próprio comportamento e do comportamento dos outros, e planejar, assim, sua interação social.

Mas para que isso seja possível as normas devem ser claras, precisas e as pessoas precisam ter conhecimento sobre elas. É necessário também que o Estado cumpra com suas próprias normas e as faça cumprir. Isto é segurança jurídica. Vale dizer que a segurança jurídica concede aos indivíduos a garantia necessária para o desenvolvimento de suas relações sociais.

O conflito é um processo presente em todas as sociedades e revela o choque de interesses. É a luta por valores ou pretensão a posição, a poder ou a recursos. A advocacia com propósito está ligada nestas questões e refere-se sempre a situações de conflitos sociais, seja atuando de modo preventivo ou regulador.

Os advogados que atuam transformando o direito em impacto social entendem que o acesso às normas e valores específicos do meio social, são considerados indispensáveis para a ordem, e que devem contribuir para que estas sejam introduzidos ao processo de construção da identidade do sujeito. Neste aspecto, a sua função é trazer harmonia às relações sociais intersubjetivas, resolver os conflitos sociais com o máximo de acessibilidade possível para que a busca na resolução de conflitos deva ser coordenada e harmoniosa, através de critérios justos e equitativos de acordo com as convicções prevalentes da sociedade.

E isso também é construir um novo legado jurídico social de impacto, afinal: ter impacto social significa ter intencionalidade, entender os processos e como a solução vai impactar o público a qual se destina.

*Pro Bono é uma expressão latina que significa “para o bem”, logo, o termo nada mais é do que uma atividade voluntária exercida pelo profissional de advocacia. O objetivo de prestar serviços jurídicos gratuitamente a pessoas de baixa renda e que, consequentemente, não possuem meios para arcar com as despesas de uma demanda judicial.

Roberta Sôusa

Advogada Familiarista.

Co Fundadora do Fammiliare – um Hub de Conhecimento, Conexões e Soluções para atuar nas questões que envolvem famílias e suas relações. Além disso, é advogada e diretora do escritório SousaAbage – advocacia especializada em Direito de Família, Sucessões e Imobiliário Extrajudicial.
Membra da Diretoria e Secretária da Comissão da Mulher Advogada na OAB PE. Mediadora e Especialista em CNV – Comunicação Não Violenta. Membra da IBDFAM, Mãe, Entusiasta, Comunicadora e advogada com propósito.

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